100 dias! Na verdade, pouco mais que isso!
Dia 19 de março, 4a feira, estive na escola para as últimas arrumações antes de iniciar um período de isolamento social.
Desliguei o computador. Apaguei a lousa. Olhei ainda uma vez para as mesas, já sentindo falta dos alunos.
O silêncio no corredor era assustador. Não me lembro da escola tão quieta.
Imaginei 20, 30, 45 dias trancado em casa.
Estávamos todos assustados. Nossa geração não viveu nada semelhante. Fui para casa sem saber ao certo o que fazer, o que pensar, o que sentir.
Liguei a TV e assisti todos os jornais do dia. Eu precisava saber o que estava acontecendo no mundo. Alguém, em algum laboratório, haveria de encontrar rapidamente o remédio adequado, a vacina que nos protegeria do vírus que se espalhava sorrateiro.
Fiquei assustado com os números.
Olhei ao redor de mim e comecei a imaginar os dias, talvez semanas, seguintes. Não imaginei que seriam meses.
Fui para cozinha e abri os armários. Contei os sacos de arroz, feijão e farofa. Imaginei quanto tempo durariam. Fui ao banheiro e contei também os suprimentos.
Voltei para a sala e arrumei o o local de trabalho. Computador, caderno, canetas… Ali seria o local de onde conduziria as aulas nos próximos dias.
Liguei o computador em busca de notícias na internet. Mais números assustadores. Pareciam cenas de filmes de ficção científica sobre pandemias. Gráficos com pontos coloridos que aumentavam de tamanho em todos os continentes. Não conseguia acreditar que era realidade.
Anoiteceu, chegou a madrugada, minha mente não conseguia desligar… Quase não dormi.
Ao acordar, olhei a luz que entrava pela persiana e torci para que tudo tivesse sido um pesadelo. Não era.
No sábado fui ao supermercado e comprei mais alguns pacotes de comida, imaginando que precisaria cozinhar por até 45 dias. Comprei o que achei suficiente. Estava preocupado com a falta de verduras frescas.
Descobri que o Ceasa entregaria em casa e fiquei satisfeito! Comprei maços de couve, espinafre e cebolinha para congelar, cebola, beterrabas, cenouras… Pronto! Fibras frescas garantidas!
Comecei a comprar outros suprimentos também pela internet.
O tempo passou. Os números iniciais, então assustadores, se tornaram lembranças do passado.
Certa noite, assisti ao filme Perdido em Marte. O personagem de Matt Damon plantou batatas em solo marciano e produziu seu próprio alimento por algum tempo. As verduras frescas estavam acabando. Talvez eu pudesse fazer o mesmo. Olhei mais uma vez ao meu redor, arrastei uma mesa para perto da janela, coloquei sobre ela algumas bacias, reuni vasos e potes plásticos, misturei em outra bacia o solo de alguns vasos que tinha com violetas e crisântemos… preparei tudo para minha horta indoor. Busquei na internet informações sobre a hortaliça mais adequada. Comprei sementes de couve, rabanete, beterraba, agrião, manjericão e espinafre. Ao longo da semana seguinte plantei todas as sementes!
Enquanto isso, as aulas virtuais foram se aprimorando. O que era para ser temporário, se tornou mais que isso. Curadoria de material na web, produção de videoaulas, novas estratégias, novos recursos… A sala de aula mudou, muito!
Aulas síncronas, aulas assíncronas, leitura de imagens, investigações em casa, fórum, conferência… Zoom! Captura de imagens, edição de imagens, upload de vídeo para o Youtube, roteiro de gravação, roteiro de aula. O conjunto de habilidades necessárias foi se aprimorando.
Ambiente virtual de aprendizagem, software de captura e edição de vídeo, plataformas para criação de jogos, plataformas para criação de videoaulas mais dinâmicas.
Eu, que já gostava de usar ferramentas tecnológicas nas aulas presenciais, aprendi a ser um professor totalmente virtual.
Sinto saudades dos alunos! Sinto saudades das brincadeiras em classe. Sinto saudades de seu barulho!
Os dias passaram, as semanas passaram, os meses passaram, o semestre passou!
As sementes germinaram. Colhi um rabanete! A couve não se desenvolveu. O agrião também não. Os rabanetes e beterrabas fornecem folhas para o jantar todas as noites! O vaso com espinafre torna verde a sopa das noites frias. O manjericão enriquece o sabor das sopas e pães que tenho feito.
Olho agora ao redor e planejo arrumar a bagunça acumulada.
Penso nas últimas palavras de minha mãe, na última vez que a vi e pude beijá-la. Sinto saudades. A verei em outra dimensão.
Deixei de ler notícias assustadoras. Procuro focar naquelas que trazem alguma esperança. Remédios, vacinas, tratamentos. Eles chegarão. Até lá, cabe a nós fazer a nossa parte, usar máscaras e manter distância dos outros. Estamos aprendendo ainda a lidar com o desafio.
A Ciência se tornou a principal esperança de todos nós.
Enquanto isso, em casa, reflito sobre a vida.
Antes de ser professor fui guia em viagens de ecoturismo e estudo do meio. Todas as semanas estava em algum lugar do Brasil, com crianças de 7 a 70 anos, explorando regiões preservadas com o objetivo de contemplar a natureza, explorando novos locais e despertando em cada um o interesse pelo mundo natural. Nosso planeta é maravilhoso! Montanhas, florestas, praias, cavernas…
Agora, trancado no apartamento, imagino o que se passa na mente de cada ser humano ao redor do planeta. Espero que o tempo de reflexão forçada esteja mudando as pessoas. Me provoca grande sofrimento saber de espécies que desaparecem, florestas sendo queimadas, oceanos sendo poluídos… O que estamos fazendo?
Enquanto a Ciência é nossa maior esperança para vencer a pandemia, a educação é nossa maior esperança para salvar a humanidade de si mesma.
A educação é a maneira pela qual podemos contribuir para formar pessoas capazes de lidar com os desafios da humanidade ao fazer escolhas e realizar ações em busca de suas demandas.
É preciso encantar as novas gerações com a beleza do Universo, com a beleza de cada recanto e cada elemento de nosso planeta. O pequeno e pálido ponto azul, nas palavras de Carl Sagan, que aparece na fotografia tirada pela sonda espacial Voyager, é nossa casa.
Por muito tempo, temos retirado do planeta tudo aquilo que desejamos. Porém, nunca antes a fábula da “galinha dos ovos de ouro” foi tão real. Estamos matando a galinha! O problema é que a galinha é o único planeta conhecido em que podemos viver! Se ele morrer, todos morremos!
Acho difícil mudar a cabeça de tantas pessoas que estão fazendo coisas erradas e destruindo o planeta. Mas acho possível conquistar as crianças, capacitá-las e motivá-las para que busquem o caminho do equilíbrio em nosso futuro próximo.
Encantar-se com o Universo, observá-lo, explorá-lo, investigá-lo, descrevê-lo, explicá-lo na medida do possível, buscar perguntas ainda não respondidas… ou ainda não feitas.
Transformar inquietações da curiosidade em perguntas a serem investigadas. Elaborar perguntas investigáveis, elaborar hipóteses, planejar e conduzir investigações escolhendo as estratégias mais adequadas, analisar dados, argumentar baseado em evidências, elaborar conclusões… Comunicar as descobertas.
Aplicar o conhecimento e experiência adquiridos para enfrentar desafios reais que dificultam a existência humana em condições dignas.
Compartilhar conhecimentos para encantar mais pessoas e auxiliá-las a enfrentar seus desafios.
Precisamos de uma educação que estimule o interesse e o desejo de cuidar do planeta!
Cabe a nós formar formar indivíduos competentemente conscientes, motivados e capazes de agir em busca de um mundo melhor.
O Brasil precisa de uma geração de jovens cientistas motivados, engajados, capacitados para transformar a sociedade e o país!
Cabe a nós educadores, formais ou não, contribuir para a formação de uma sociedade crítica, analítica, capaz de olhar para desafios do presente, embasar-se nos conhecimentos do passado e planejar ações efetivas para construir um mundo melhor.
Não podemos prever o futuro, mas podemos construí-lo com nossas escolhas e ações no presente.
Paulo Freire já dizia que a educação não muda o mundo, ela muda as pessoas. As pessoas sim mudarão o mundo!
Sozinho não posso fazer muita coisa diante de desafios algumas vezes assustadores. Mas posso cativar, capacitar, mobilizar meus alunos de modo que eles descubram seu potencial para mudar o mundo e, juntos, participem de tal tarefa.
Acredito realmente que a educação pode contribuir para desenvolver em cada indivíduo, não apenas o pensamento científico, crítico e estratégico, mas também a vontade de usar todos os seus recursos para mudar o mundo.
Sou apenas um professor, mas posso posso ser “mais um”!
Até o próximo texto.
Abraços.
Carlos Eduardo Godoy.